3 de nov. de 2009

A Carta

“Fugia da Terra e espiava o alem”
Com esta frase, terminei a carta que demorei a ter coragem para enviar à Clarice Lispector, contando de como me sentia após ler cada livro seu, antes mesmo dos finais, após cada epifania com que presenteava seus textos.
Clarice me viu dança-la e revelou-me o que viu em mim, não na dança. Disse que me sentia “sem chão”, não fiel ao sentido popular da expressão: abandonada, insegura, sem ação, mas sem dele ter necessidade já que flutuava garantida e assumida sem dever nada a ninguém em terra firme. Terra firme, o que era isso?,ela, então, me perguntou. E sem esperar resposta, olhou-me com olhar profundo e sentenciou, ou melhor, profetizou: “Um dia virá em que outros, que não nós duas, fugirão da Terra e espiarão o alem. Um dia virá e muitos mais nascerão fortes como um cavalo novo e donos de um coração selvagem”. Depois ela me perguntou: “Você sabia que o grande escritor O’Neil disse certa vez que “Bailarinas cheiravam a cavalos”? Pense nisso. ”Assim nos despedimos, assim nos conhecemos, assim nos reconhecemos eternas fugitivas de Terra firme, mulheres-éguas, de sentimentos selvagens e contemporâneas do futuro.
Luiza Lagôas

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