Era dia de Carnaval, eu tinha oito anos e às 5.30 h. da tarde eu tive uma certeza. Fantasiada de cigana, escapuli da severa vigilância dos adultos e saí, portão afora, para dentro de um bloco de fantasiados barulhentos que passava em frente à casa de minha avó. Os mascarados e os índios brincavam comigo sem as ameaças impostas pelos seus trajes, e colhiam meu olhar e sorriso radiantes, meu dançar solto e rebolante acompanhando o ritmo do batuque. Foi quando, nem bem dez minutos eu entrara na festa, um mascarado, que não dançava, mas caminhava com passos largos em minha direção, segurou meu braço com força e tirou a máscara, mostrando uma cara feia de zanga: era o meu primo mais velho que, por ser menino e mais velho, tinha permissões. Tive medo dele sem máscara; adivinhava sua intenção de levar-me para casa com um discurso pronto sobre a minha “falta”. Tive medo do carrasco de rosto conhecido, como jamais tivera dos mascarados.
Anos depois, este episódio invadiu minha lembrança com uma revelação: o desconhecido jamais me provocara medo. Como eu poderia ter medo do que não me ameaçava? Como eu poderia temer o que eu ainda não me aventurara a conhecer, se a aventura e o correr riscos figuravam sempre nos primeiros lugares da lista de minhas preferências existenciais? Eu tinha, e tenho ainda, medo do conhecido, desde o meu primo mais velho.
Conheço a solidão, e dela, sim, tenho medo. Sei do horror de sua companhia, de sua desesperante convivência, do estrago que ela poda causar em uma vida.
Tenho medo das dores que já senti, dos ecos do que já disse ou escrevi, da cobrança do arrependimento pelo que deixei passar, sem viver o que me era oferecido em pleno gozo de meu conhecimento.
Tenho medo da acomodação. Tenho medo, muito medo, do conhecido que me desarmou, me desgostou, me fez enfraquecer- “Quisera ter o poder de dominar meu medo”.
Não temo a felicidade, essa desconhecida que insiste em não se mostrar ou se mostra tão pequena que eu não tenho olhos que a vejam. Não tenho medo do prazer que foge de mim como se, ele sim, vivesse amedrontado, sem querer me conhecer. Não temo a paixão, o desejo ardente, o grande prêmio; nem mesmo a morte me amedronta.
Quisera, sim, ter o poder de mais do que dominar meu medo, revertê-lo, transforma-lo em coragem, esperança ou coisa assim que me ponha forte em frente ao conhecido, e que ouse atormentar-me frente ao desconhecido.
LUIZA LAGÔAS
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