28 de out. de 2009

Autópsia

“Exame de si mesmo”.
(Dicionário Aurélio da língua portuguesa).

Nua, na frente do espelho, dedico-me de corpo e alma, ao desejo ardente de enxergar meu coração. Pressinto-o escondido em um recanto do meu peito, num abraço apertado às suas verdades e aos seus segredos vermelhos, não querendo se mostrar nem a mim, seu frágil e fiel esconderijo.
Fixo os olhos em meu peito refletido, implorando-lhe transparência. Exploro-o com minhas mãos, procurando o lugar que adivinho especial e que me abrirá caminho para o encontro. Quero conhecer meu coração. Quero examinar o que o faz sofrer e o que o faz feliz; quero saber onde mora a semente do meu amor e da minha angústia.Quero meu coração exposto, vindo à tona, mesmo que me rasgando o peito sem anestesia e sem escrúpulos de cicatriz.
Ao meu toque, sinto-o bater tão longe que não identifico se num pedido de socorro ou num grito de repúdio.
Peço-lhe, em oração pagã, que se entregue a mim, que se exponha despudoradamente, que se jogue em minhas mãos para o carinho quente e sensual que o conduzirá – quem sabe? – pulsante de prazer, a outras mãos, outros peitos, outros corpos.
Quero meu coração exposto a mim e ao mundo. Confiante, sem culpa por suas fraquezas, sem medo de críticas, senhor dos seus sentires. Forte, sem dores de morte, sem mágoas guardadas, sem pena de si. Valente, de frente para o novo, pronto aos desafios, sem medo de errar. Leve, sem pesos e danos que não precisa suportar. Sedutor, tecelão de suas redes, cuidador de suas presas, mestre de artimanhas delirantes.Quero meu coração assim e à mostra. Quero vê-lo assim e que todos o vejam como eu. Quero conhecê-lo e apresentá-lo com orgulho. Quero que esta seja a minha questão – de vida ou morte.
Nua, na frente do espelho, desespero-me por não conseguir o contato, por não poder dar ajuda.Tenho o peito e tenho a faca. Não tenho a coragem.
Luiza Lagôas

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