15 de nov. de 2012

Vazio Desossado

Nada era como queria que fosse,
ninguém se parecia com os personagens dos sonhos.

Fez-se à sua volta um muro robusto, indevassável e intransponível.
Tornou-se, cada vez,
mais só,
num mundo caótico, fragmentado e acumulativo.

Do lado de fora só o muro,
rabiscos de spray, flores de plástico,
janelas falsas ostentando máscaras de emoções fixas.
Lindas máscaras do carnaval de Veneza:
de faces lácteas, lábios rubros, olhos vazados e vazios
- sem alma.

Do lado de dentro vendavais de sonhos e pesadelos,
montanhas de lembranças compulsivas,
mares de desentendimentos,
árvores de sucatas em abundâncias sazonais.  

Nada, absolutamente nada descartado. 

E o tempo atleta em ciranda louca,
carro derrapando na areia,

sem controle, sem parar. 

Alimentos em fraque e cartola para driblar o tédio e enganar a solidão,
criação de ratos e baratas para corromper idéias e objetos,
transformação de tudo em confetes descoloridos,
pingos de ecos reverberados à exaustão. 

Seu mundo sem zíper,
invadido por carretilhas de risos não ridos roubados aos ouvidos,
enrolados e enrascados às escuras e ao acaso,
formação de nós impossíveis de serem desatados. 

O muro barragem em luta bravia impedindo o derrame da lava de entulhos,
massa de coelhos em cópula e procriação.
Um ou outro pequeno veio vazando,
avidamente colhido por sentinelas sequiosos. 

Mas o tempo atleta gira que gira e desembesta,
a vida hiena gargalha que gargalha e ludibria,
a sina escrita se reescreve.

Sem e-mails ou notificações judiciais,
sem aviso prévio ou indenização,
o dito fica não dito
e o fim se imiscui no começo.

Distraída e sem tino
a arrumação do guarda-roupas começa,
peça por peça, cor a cor,
lembrança a lembrança.

Metrópoles são desconfiguradas,
florestas desmembradas,
oceanos engarrafados. 

O dique não se rompe,
não acontecem dilúvio nem tsunami.
O repleto se faz vazio,
o vazio é desossado,
a calmaria faz-se berço da esperança. 


  Sonia Soares


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