29 de nov. de 2009

Meu Tempo

Envelheci. Não só nas rugas, nos cabelos brancos, na barriga protuberante.
Envelheci na alma, na falta de planos, na ausência de sonhos.
Envelheci no espírito, no acúmulo de medos, na abundância de fobias.

Houve épocas em que o tempo era diferente. Até meus vinte anos ele estava por vir, tudo estava por realizar-se. O Brasil era o país do futuro, eu era o embrião/mistura de Liz Taylor, Gina Lolobrígida e Sofia Loren, potencial/intelecto de Leonardo da Vinci, Einstein e Madame Currie.

Então, até os 60 anos, o tempo era insuficiente, reloginho disparado qual coelho branco de Alice, onde as obrigações, tarefas e prazeres da mãe/esposa/professora/administradora/mulher/ amiga/visinha/filha/tia/irmã/patroa disputavam à tapas pelo privilégio de serem realizados aqui e agora, hoje e ainda hoje.

Agora o tempo começou a escapar pelos meus dedos, gosma suculenta e escorregadia a respingar pelo chão, a alagar o piso, quadro por quadro, a impregnar o ar com cheiro de bile, de cachorro molhado, de suor azedo.

Se considerar a longevidade dos meus ancestrais, como vou suportar o tempo nos próximos 20 ou 30 anos? Como desentupir os ralos para que a gosma flua e o chão possa ser lavado? Como desenterrar os cadáveres dos inúmeros filhos que não tive, dos truculentos amores que não vivi, dos mirabolantes anseios que não senti, para exorcizá-los na pira mágica onde arde o fogo eterno?

Como recuperar meu fôlego para olhar o mundo plainando numa asa delta? Como reviver minha ousadia para espiar animais selvagens numa floresta virgem? Como aflorar meu destemor para explorar navios fantasmas nos abismos submarinos? Como realinhar meu esplendor para envergar o vestido longo e prateado entre os braços do príncipe, valsando e rodopiando nos salões de baile? Como reacender minha voz para, sentada no tampo do piano de cauda, vestido vermelho tomara-que-caia, fenda aberta numa lateral expondo torneadas coxas, aquecer corações ao som do meu Summer Time?

Na verdade, acima de tudo, o que fazer com a próxima meia hora?
Sonia Soares

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